sábado, 1 de fevereiro de 2014

Ninfomaníaca

Ninfomaníaca se inicia apresentando uma personagem dilacerada, abandonada numa existência enigmática, embrutecida e silenciada de maneira rude. Despertada por um pensador solitário que por um acaso a encontrou. Talvez pela primeira vez na vida da personagem, ela tenha encontrado um alguém leve, confortável e fértil para que sua existência pudesse finalmente se exteriorizar frente até mesmo a ela.
Sua história é engendrada genuinamente com os fatos corriqueiros do universo pessoal do senhor de meia idade que a acolheu.
Uma mulher lúcida e perdida... o raro caso de saber que simplesmente se existe num mundo borbulhante de incoerências. Uma mulher de conceitos formados e olhares argutos para cada fragmento de existência que possa fazer o mais delicado e imperceptível som ao seu redor. Uma filósofa que escolheu seu modo de trilhar os enigmas e decifrá-los. Um ser de mazelas e medos, que descobriu (assim como todos) maneiras de fugir deles.
A meu ver, uma pensadora empírica com seus próprios métodos... autêntica. Uma autenticidade rara inspiradora.
A talvez única que pode ter um diálogo de igual para igual com o pensador enraizado em seu observatório do mundo.
Ela não o horrorizou, mas sim o fascinou, como Nietzsche se fascinaria ao ver em sua frente o super-homem. Qual seria a diferença dela para os demais? resposta: Ela é infinitamente melhor. Qual a diferença dela para um outro pensador qualquer? resposta: Ela escolheu seus métodos de maneira extremamente pura, sua essência primordial não foi suprimida. Qual a similaridade entre ela e os demais (banais e pensadores)? resposta: ela está fragmentada, perdida e envolta de fraquezas humanas.
 Agora se mergulharmos mais ao cerne dessa personagem inquietante, veremos a fragilidade e a pureza infantil. A mão que procura o fogo pela curiosidade primordial. Os gritos desesperados de uma vida arremessada aos lobos da existência. Uma mulher tão unilateral que chega aos níveis da demência e tão plural que alcança a onipresença divina. Abraçar o mundo e ao mesmo tempo aprisionar-se em sua mais minúscula parte.

Lars von Trier criou uma obra realmente inesquecível, um clássico contemporâneo. Uma joia rara para poucos. Infelizmente muitos assistirão a obra com a pequenez característica das massas. 

JL